NOVOS MODELOS DE REMUNERAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES
Em meus artigos anteriores, tenho abordado sobre a “desconstrução” do atual modelo pelo qual os hospitais cobram por seus serviços, através de receitas que são advindas da junção de quatro agrupamentos: de honorários médicos, de diárias e taxas, de materiais/medicamentos e de OPME – Órteses, Próteses e Materiais Especiais. Cada um destes itens está com algum tipo de “doença degenerativa”:
- Diárias e taxas – remuneram malfadadamente o serviço prestado ao Paciente. A rigor deveria ser a única forma de cobrar pelos serviços, com a chamada “tabela de hotelaria”, mas as similaridades com o sistema hoteleiro não são fortes para anular as diferenças – o sistema hoteleiro possui alternativas para ampliar a procura nos períodos de baixas estações, com pacotes de estadia, promoções e outras estratégias de marketing, diferente do segmento hospitalar, que possui o que chamo de custos de prontidão, que estão relacionados aos custos para manter a estrutura de alta complexidade de prontidão (UTIs e prontos atendimentos), mesmo no período de baixa procura;
- Honorários médicos – servem para remunerar os médicos e normalmente são repassados pelos hospitais integralmente aos médicos;
- Materiais e medicamentos – baseiam-se nas revistas eletrônicas privadas BRASINDICE e SIMPRO, que estão em desuso por grandes laboratórios, que com sua saída, por motivos de compliance, conforme citado por alguns deles que passaram a entender que ambas tabelas são uma cartelização de preços (o estranho é que durante décadas estiveram presentes…); resumindo, não haverá referência para cobrança de materiais e medicamentos; e as complicações deste item estão se agravando – desde 2009 uma resolução da Câmara de Regulamentação do Mercado de Medicamentos (CMED) proíbe a obtenção de lucro com remédios utilizados em procedimentos e em abril deste ano, houve o lançamento de nova regra que estabelece a “margem zero” de lucro, com altas multas. Ao considerarmos que é a venda de materiais e medicamentos que compõem a receita dos hospitais entre 40 a 60%, este conjunto de fatores impõem mudanças drásticas de imediato, sob pena altas multas;
- OPME – trata-se do item mais combatido pelas OPS – Operadoras de Planos de Saúde, que adotam as mais variadas ações de cerceamento, que vão desde incontáveis autorizações até o fornecimento do OPME pela própria OPS; enfim é um item que tende a desaparecer da receita dos hospitais.
Esta é a base do combatido e combalido modelo fee-for-service (pagamento por serviço) predominante no sistema de saúde privado do país, caracterizado por três grandes problemas: (1) é uma remuneração que se baseia no volume de serviços e materiais envolvidos, com os valores finais tendo enorme variações – como avaliado por José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) “…isso potencializa o desperdício por ineficiência ao induzir o prestador de saúde a realizar mais procedimentos, para aumentar sua remuneração” (O Estadão, 02.08.18), (2) impede qualquer possibilidade de previsibilidade de valoração dos serviços hospitalares, e por último (3) tem aumentado o custo da “burocracia”, com um batalhão de auditores para avaliar as contas e outras enormes equipes para identificar não-conformidades (glosas) e outras equipes para reapresentar os recursos de glosas.O quadro acima denota a urgência na busca de outras alternativas para composição de nova forma de cobrança dos serviços hospitalares, sob pena de altas multas e do escrachamento junto à opinião pública que volta e meia noticia a ação do Ministério Público contra os hospitais. Em agosto deste ano, um artigo apresentado pelo O Estado de São Paulo (02.08.18), descreve a experiência de hospitais e operadoras com novos modelos de remuneração:
- “(…) É o caso do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, que inaugurou há um ano uma unidade onde os procedimentos têm preço fixo;
- Já o Hospital Albert Einstein, também paulistano, adota desde 2017 um modelo de remuneração fixa para procedimentos de ortopedia e, há três meses, incorporou a ideia ao atendimento ambulatorial. Agora, conduz projeto-piloto para avaliar a possibilidade de pacotes com preço fixo para tratar câncer de mama;
- No Rio Grande do Sul, o Hospital Mãe de Deus se uniu à Unimed Porto Alegre, em 2017, para criar o Sistema UM, que prevê nova forma de pagamento, com base em Diagnosis Related Groups (DRG), metodologia que categoriza os pacientes internados segundo a complexidade assistencial, incluindo idade, diagnóstico, comorbidades e procedimentos cirúrgicos; hoje, boa parte do Sistema Unimed usa essa ferramenta, diz Renato Couto, sócio-diretor do DRG Brasil. Em 2017, a metodologia também foi adotada na rede SUS, em Belo Horizonte. São exemplos de um processo que tem ganhado força;
- Já a operadora AMIL instituiu, ao longo de 2017, um modelo desenvolvido pela própria equipe: o Adjustable Budget Payment (ABP). Ele prevê repasse de valor fixo, calculado com base no histórico de atendimentos do hospital. Essa verba é revisada trimestralmente, e reajustes são feitos conforme a complexidade e o volume de atendimentos. O modelo é adotado em 35 hospitais – 20 deles da própria Amil. A meta é fechar oito novos contratos este ano. (…)”.
O que estas iniciativas têm em comum? Os 03 primeiros modelos utilizam-se da metodologia do “pacote”, onde há uma padronização quantitativa na composição dos itens que compõem a conta hospitalar e, neste caso, se o procedimento médico-hospitalar requerer um consumo maior do que o previsto pelo pacote, caberá ao hospital arcar com este ônus. Não há dúvidas de que o “empacotamento” reduz drasticamente a imprevisibilidade nos serviços e materiais consumidos nos procedimentos – para que o hospital não tenha o ônus, se eventualmente gastar a mais, terá de definir, com seu corpo clínico, protocolos médicos e monitorá-los, ou seja, o risco agora é do hospital!! Este modelo nada mais é, do que uma variação mais light do fee-for-service, que remunera pela quantidade – só que agora de “pacotes”. Ainda com base na reportagem acima, o 4º modelo, apresentado pela operadora de plano de saúde AMIL, que embora ainda em desenvolvimento, também remunera pela quantidade. A questão dos modelos acima é que todos buscam gerenciar suas despesas e reduzir seus custos, tratando basicamente das doenças, ou seja, são prestadores do “plano de doença” e não do plano de saúde!! Infelizmente os prestadores de serviços médicos não são remunerados pelas operadoras de planos de saúde, a estimular a prevenção entre os seus pacientes, com a adoção de hábitos saudáveis.Mas atualmente, há iniciativas que vislumbram outras formas de remuneração, como a divulgada pela revista EXAME (05.09.18), com o título “Por menos pronto-socorro”, que descreve o cuidado do Hospital Sírio Libanês prestará aos 20.000 funcionários do Banco Santander, através de programa batizado “Saúde Corporativa” – baseado no conceito de médico de família, que foca mais na prevenção que nos tratamentos de urgência.Outro exemplo de forma de financiamento é o intitulado “capitation reverso”, modelo criado e em fase de experiência na Bahia, liderado pelo presidente da Federação Baiana de Saúde da Bahia e vice da Confederação Nacional de Saúde, Marcelo Britto. Neste modelo é o hospital que assume a responsabilidade integral pela assistência à saúde do usuário, cobrando um valor fixo mensal independente do uso ou não. Como explica Marcelo – ‘(…) a ideia é que o usuário do sistema passe a lidar diretamente com o prestador e o papel da operadora de saúde seja a venda de redes privadas de serviços, sem precisar ter o contato direto com o usuário – já que o pagamento pelos mesmos será feito diretamente aos estabelecimentos: hospitais, clínicas, laboratórios, que se organizariam em redes por critérios pré-estabelecidos”. (http://www.ahseb.com.br/novo-modelo-invertera-relacao-entre-atores-da-saude-suplementar/)As semelhanças do modelo “capitation reverso” e a experiência do Sírio Libanês são similares na questão da mudança do papel do hospital no cuidado a saúde – sai de cena o prestador de serviços e apresenta-se o gerenciador da saúde do usuário, onde haverá o interesse financeiro em atuar na prevenção da saúde, já que “prevenir é melhor que remediar”, literalmente!!!